segunda-feira, 13 de abril de 2009

Por que o marketing de Obama funcionou nos Estados Unidos









Em 1952, quando o general Dwight David Eisenhower foi o primeiro candidato à contratar uma agência de publicidade (a BBDO) e a realizar pesquisas de opinião, estávamos muito distantes, no Brasil, do marketing político e do próprio marketing. De 1989 para cá, com o retorno das eleições diretas, o País persegue a passos largos as experiências modernas de realização de campanhas eleitorais, tendo se tornado inclusive exportador de soluções para a América Latina e África.

A campanha de Barak Obama não pode ser reproduzida no Brasil, mas ela traz lições que precisam ser compreendidas. Algumas destas lições podem ser úteis em qualquer situação. E em países em desenvolvimento, como o nosso, o uso criativo da internet e outras formas de comunicação pode ser a diferença entre a vitória e a derrota(1). Neste segundo artigo, também no formato pergunta e resposta, procuro demonstrar como e porque o marketing moderno de Barack Obama deu certo.

Há dois anos, ninguém sabia da existência de Barack Obama. Hoje, ele é o politico mais conhecido do planeta. Como isso foi possível?

De fato, em 2007 ninguém estava procurando por Obama em nenhum site de busca. Um ano e meio depois, em 2008, Obama tinha 130 mil seguidores no Twitter, um grupo no FaceBook com 2 milhões e 300 mil membros, 14 milhões de views em um só vídeo do YouTube (Yes We Can - 2) e 3 milhões e 100 mil doadores de recursos para a sua campanha. Isso foi possível em função do cenário, da política desenvolvida pelo senador mas também por causa da internet e das novas tecnologias de informação e comunicação.

Obama usou menos de 2% do seu orçamento de campanha com as ações online. Mas o uso que fez da rede foi totalmente diferente da que fez McCain. Primeiro, para Obama, o coração da campanha, o centro irradiador, estava na internet. Um exemplo é a carta de agradecimento pela vitória enviada primeiro aos internautas. Antes de ir falar ao povo, Obama falou com os seus militantes digitais(3). Isso aconteceu o tempo todo em sua campanha.

Em segundo lugar, além de colocar a internet no centro de irradiação de sua política, Obama construiu uma relação direta com o cidadão. Sua campanha compreendeu o potencial democrático e viral da internet e apostou nisso. No YouBama, um canal de vídeos feitos por usuários, era possível subir um vídeo dizendo por que você votaria em Obama ou por que você não votaria nele. Gente que nunca tinha participado da política, ao perceber que Obama era algo novo, decidiu apostar nele primeiro contra Hilary, na disputa interna dos democratas, e depois contra o candidato republicano.

Já, McCain fez uma campanha do século XX, focada na TV. O candidato republicano utilizou a internet apenas como mais um meio de divulgar a sua campanha. Enquanto Obama apostava no relacionamento com os internautas e a partir dele informava e pedia ações e contribuições, McCain tratou o público da web como secundário.

Ou seja, McCain errou ao subestimar a internet e perdeu por causa disso?

Olha, não acho que McCain tenha perdido por subestimar a internet. Também não acho que Lula tenha ganho em 2002 por ter recorrido a Duda Mendonça. Subestimar a internet fez parte da derrota, mas McCain perdeu por que era o candidato errado, na hora errada, com os apoiadores errados. McCain era o candidato de Bush, das montadoras em crise, das seguradoras falidas, da mídia tradicional em declínio. Todo o mundo de McCain estava ruindo. A votação que ele ainda teve é uma demonstração de como os americanos são conservadores. A vitória de Busch em 2004 já tinha sido arrancada a fórceps. Repetir o erro seria demasiado, mas mesmo assim McCain obteve uma votação expressiva.

Claro que o inusitado não foi a vitória dos democratas. Isso já era esperado. O inusitado foi a vitória de Obama. Um negro num país racista, um out sider mesmo entre os democratas. Obama, na política, repete um pouco o mito do jovem na garagem da casa que tem uma idéia inovadora e muda o mundo. Aliás, o vínculo com a internet só potencializou essa idéia do indivíduo salvador, muito presente na cultura americana.

Quando você fala em potencial democrático da internet, o que isso quer dizer?

A internet, do modo como está se desenvolvendo, é um grande salto na história da humanidade. É algo tão importante quanto as viagens marítimas, a penicilina ou o tipógrafo. Talvez, daqui a alguns séculos, a descoberta desta tecnologia acabe se comparando com questões fundamentais como o domínio do fogo, a descoberta da roda, a criação da fala. Eu acredito que o essencial desta tecnologia é que ela liberta, ela permite coisas que antes eram impossíveis.

Ela permite, por exemplo, ao candidato ter uma relação direta com o eleitor em seu ambiente digital. A TV também permite isso. Coloca o candidato dentro da sala da casa, mas a diferença da internet é que ela é uma tecnologia horizontal, que permite a construção de novos ambientes de relacionamento direto. A TV é de mão única. A internet tem duas mãos. Por exemplo, diferente de McCain, Obama não pedia para que os usuários entrassem em seu site e fizessem doações. Sua campanha colocou widgets de doação nas redes sociais já existentes. Obama foi aonde o povo estava na rede. Se inseriu nas redes pré-existentes. Preferiu engajar e motivar os eleitores sobre a campanha e facilitar a doação com ferramentas de interação pulverizadas nas mídias sociais. McCain ficou no padrão antigo, da campanha vertical. Obama fez uma campanha horizontal, interativa.

Ao apostar na horizontalidade da relação com os cidadãos, Obama deu o salto para o novo. Conseguiu mostrar diferença. Nos Estados Unidos mesmo, a campanha de Obama não foi a primeira a usar a internet. John Edwards, outro senador democrata, foi o primeiro pré-candidato a presidente a criar perfis em redes sociais, 24 ao todo. Os perfis não eram usados para se conectar com os eleitores, mas só para promover o candidato. Edwards não foi capaz de enviar uma mensagem de agradecimento aos apoiadores quando abandonou a corrida eleitoral em 30 de janeiro de 2008.

No Twitter, a disputa entre Obama e McCain também foi desigual. Obama teve mais de 130 mil seguidores. McCain, menos de 5 mil. Obama fez atualizações diárias, 263 ao todo. McCain fez 25 atualizações durante toda a campanha. Não havia interação. McCain simplesmente esqueceu de mandar um tweet lembrando seus eleitores de votar no dia da eleição!

Ou seja, a internet tem um enorme potencial para quem souber utilizar. Dá um trabalho enorme. Você tem de ter especialistas naquela ferramenta dedicados 24 horas por dia para produzir ali a melhor comunicação possível. Não custa pouco, mas se bem utilizado pode ser compensador.

Como assim, não custa pouco? Você não disse que Obama só gastou 2% de seu orçamento com ações online?

Primeiro, é preciso compreender que a militância de Obama estava na rede. Para ter uma comparação, pode-se pensar no PT dos primeiros 20 anos, quando a militância ia para as ruas espontânea e gratuitamente. Na campanha de Obama, houve essa militância digital intensa e em sua maior parte gratuita. Não sei se é possível reproduzir esta espontaneidade no Brasil. Acho que não. De qualquer modo, o custo para formar alguém que domine a linguagem, conheça o ambiente, e seja capaz de transformar política num produto encantador na internet não é pequeno.

Antes de 2002, as campanhas do PT em geral eram muito baratas. Mas sempre digo que eram baratas até por ali, por que as pessoas não contabilizavam o custo de formar um militante. O mesmo aconteceu na campanha de Obama. O seu posicionamento, o fato de ser um candidato do Vale do Silício, encantou o mundo digital, e isso lhe trouxe enormes apoios. Obama apostou na lógica viral da internet e o mundo digital se contaminou e resolveu apostar nele.

No marketing, quando a gente repete uma fórmula vitoriosa, a segunda vez é sempre mais cara que a primeira. Você vai ver que a reeleição de Obama não vai ser tão simples, nem tão barata. Ao contrário, a tendência agora é tudo ficar mais difícil.

Voltando para a internet, o que mais funcionou na campanha?

Vou falar disso, mas antes deixa revelar uma questão que as vezes passa desapercebida. Um dos principais esforços de finanças da campanha de Obama foi arrecadar dinheiro para comprar tempo de TV, principalmente comprar 30 minutos em rede na reta final. A internet nos Estados Unidos já é muito poderosa, mas Obama atingiu apenas 34% dos eleitores com ela. Ou seja, mesmo no Estados Unidos, onde todos os lares têm acesso à internet e as pessoas já passam mais tempo na frente do computador do que na TV, para falar com todo mundo ainda foi preciso usar a televisão.

Isso não invalida a importância das ferramentas digitais, apenas as coloca no contexto de uma realidade específica. As campanhas a presidente nunca mais foram as mesmas depois que Eisenhower contratou a BBDO. As campanhas no mundo inteiro nunca mais serão as mesmas depois que Obama venceu usando a internet como alavanca da sua vitória.

Tudo o que Obama fez é simples, mas exige muito conhecimento ao mesmo tempo. A internet é uma também uma nova linguagem. O mais caro é conseguir dominar essa linguagem e aplicar na política com eficiência.

No espaço MyBarackObama.com havia 16 espaços sociais oficiais de acordo com o perfil étnico ou psicográfico do público. Os eleitores podiam criar seus próprios blogs para discussão, enviar recomendações diretamente à campanha, criar seu mini-site para arrecação de doações, organizar eventos, etc. No Facebook, foram criados espontaneamente mais de 500 grupos. A campanha promoveu interações, concursos de vídeo, ações in-game, vídeos virais, widgets para arrecadação etc. Os vídeos foram umas das ferramentas de comunicação mais utilizadas. Discursos, depoimentos e video-clips foram publicados em diversos canais como o Youtube e outros. A maior parte das fotos de seu perfil no Flickr não era de profissionais, mas tiradas por eleitores voluntários durante todas as etapas da campanha. Os resultados do Flickr dão 5 vezes mais Obama do que John Mccain! Mccain não tinha perfil nessa rede social. Um conteúdo gerado por usuário, uma paródia do comercial clássico da Apple “1984”, teve mais de 5 milhões de views(4). Estas e outras ações demonstram que a campanha Obama soube como ninguém compreender a natureza da rede, a sua linguagem, a forma de engajar as pessoas.

Você acha que é isso que fez a campanha de sair vitoriosa?

Isso também fez parte da vitória. Foi um componente importante, mas não pode ser tomado como solução mágica.

Barack Obama é para o mundo da política o que a Microsoft representou para o mundo empresarial. Uma radical inovação. Mas a Microsoft nunca teria dado certo no Brasil. A nossa empresa de ponta é a Petrobras e o nosso político de ponta é o Lula. Quando Obama diz que o Lula "é o cara" ele está reconhecendo isso (para desespero do Fernando Henrique, diga-se de passagem). Brasil e Estados Unidos tem realidades distintas. E o marketing não é um pacote que você aplica independentemente da realidade concreta. Ao contrário, cada dia mais tenho percebido que os pacotes de marketing têm acumulado derrotas por onde passam. Eu creio que o que fez mesmo Obama sair vitorioso foi sua promessa de mudança e de tirar a economia americana do buraco em que Bush a colocou. Isso soou como música no ouvido do cidadão americano. E isso é política, antes de ser marketing. ///


(1) Utilizamos diversas fontes de pesquisa para este artigo. A mais sintética e coerente é uma apresentação disponível na rede feita pela equipe da Riot, uma empresa especializada em propaganda em redes sociais. Ver http://www.riot.com.br/?p=188 .

(2) "Yes We Can" foi um vídeo produzido por Will.i.am. Se você não conhece, vale a pena assistir: http://www.youtube.com/watch?v=jjXyqcx-mYY . A música foi criada sobre um discurso de Barack Obama e se mistura com ele o tempo todo. Hoje, abril de 2009, já tem mais de 17 milhões e 300 mil views.

(3) Veja a seguir a carta enviada no dia da vitória. Esta mensagem foi uma das poucas assinadas pelo próprio candidato. É uma das mensagens mais longas de toda a campanha:
" Paulo -- I'm about to head to Grant Park to talk to everyone gathered there, but I wanted to write to you first. We just made history. And I don't want you to forget how we did it. You made history every single day during this campaign -- every day you knocked on doors, made a donation, or talked to your family, friends, and neighbors about why you believe it's time for change. I want to thank all of you who gave your time, talent, and passion to this campaign. We have a lot of work to do to get our country back on track, and I'll be in touch soon about what comes next. But I want to be very clear about one thing... All of this happened because of you. Thank you, Barack."
Tradução:
"Paulo -- Eu estou indo para o Grant Park para falar com todos que estão lá reunidos, mas eu queria escrever antes para você. Nós acabamos de fazer história. E eu não não quero que você esqueça como nós fizemos isso. Você fez história todos os dias durante esta campanha -- todos os dias batendo nas portas, fazendo doações ou conversando com seus familiares, seus amigos e conhecidos sobre por que nós acreditamos que é hora de mudar. Eu queria falar com todos vocês que deram seu tempo, talento e paixão para esta campanha. Nós temos um grande trabalho por fazer para colocar nosso país de volta nos trilhos, e eu vou entrar em contato em breve sobre o que está por vir. Mas eu quero deixar muito claro uma coisa... Tudo isso está acontecendo por sua causa. Obrigado a você. Barack."

(4) Ver http://www.youtube.com/watch?v=6h3G-lMZxjo . Posteriormente, a equipe de Obama assumiu a autoria do vídeo. A cautela sobre a paternidade se justifica: o conteúdo é um ataque viral frontal contra Hilary Clinton.

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