quarta-feira, 1 de abril de 2009

Porque o marketing de Obama não funcionaria no Brasil

Políticos de todos os partidos têm solicitado pareceres sobre o uso da internet e outras tecnologias da informação na campanha do presidente norte-americano Barack Obama. Pelas perguntas que me chegam, parece ter se criado a ilusão de que o segredo da eleição esteve mais no uso das novas tecnologias do que na política desenvolvida pelo senador democrata. Este artigo é uma tentativa de responder a todos os questionamentos e o uso do formato "pergunta e resposta" tenta tornar mais leve e facilitar a compreensão do tema.


Obama ganhou por causa da internet?


A questão do uso dos meios modernos de comunicação, no caso de Obama, acentuou-se ainda mais porque seu opositor, McCain, era um opositor "analógico". Obama fez uma campanha do século XXI e McCain do século XX. A questão da linguagem e dos meios ganhou maior relevância neste contexto.

Mas Obama não ganhou por causa da internet. Por mais que isso tenha tido importância, a vitória de Obama não pode ser atribuída ao uso que ele fez das novas tecnologias de informação e comunicação. Uma política errada, mesmo utilizando os meios certos, levaria a uma derrota.

O que há de radicalmente diferente em Obama é o seu posicionamento, é o fato dele ser um produto do mundo globalizado. Em termos de marketing, Obama é um produto novo e uma marca nova na política, assim como a Microsoft foi uma empresa inovadora nos anos 80 e o Google é hoje. O fato de Obama ter construído novos canais de distribuição da sua proposta política é apenas consequência deste posicionamento.
No século passado nós tivemos formatos de políticas que se desenvolveram vinculados às novas tecnologias de então. O nazismo pôde crescer porque havia o rádio. O populismo é filho dos grandes comícios, propiciados pela concentração da população nas grandes cidades. Pode-se dizer que Obama é o primeiro político digital da história.


O apoio do Vale do Silício a Obama teria se dado em função disso?


Mike Davis, editor da New Left Review, usa uma imagem muito apropriada. Ele diz que o mandato de Obama é uma "presidência do silício". As empresas de tecnologia "compraram" a candidatura de Obama, se uniram -e foram unidas- em apoio a ela. Eric Schmidt, fundador do Google, não saia do lado de Obama na campanha e na transição. Essa é a mudança de paradigma que está em curso. No Brasil, a mudança é outra. Nós não temos um Vale do Silício. O que nós temos é uma mudança estrutural da composição das classes sociais, com a emergência da classe C, e a busca por um novo posicionamento do país no contexto internacional.

Políticos digitais seriam uma tendência daqui para frente?

Sim. Cada vez mais a política tende a ser digitalizada. Nós tivemos no Brasil o período do corpo-a-corpo até os anos 30, a etapa do jornal e do rádio dali em diante, a etapa da TV nos anos 90. No Brasil, entre o rádio e a TV, tivemos o período das baionetas. Este período interrompeu o desenvolvimento da cultura democrática, mas também construiu as bases da comunicação eletrônica de massas.

É preciso entender a digitalização como uma tendência, porque não temos no Brasil uma infraestrutura adequada para candidaturas digitais como a de Barack Obama. Nos Estados Unidos, no final dos anos 90, quase 100% dos lares possuíam computador com acesso à internet. No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2007, somente metade dos brasileiros já havia utilizado um computador e 24% possuía um em casa. O acesso à rede mundial era limitado. Somente 17% tinham acesso à internet, sendo que, destes, mais ou menos metade por meio de linha discada.

Claro que esta realidade, agora em 2009, já sofreu uma grande mudança, principalmente com a emergência da classe C, que é a grande compradora hoje de desktops. Mas penso que o nosso modelo de comunicação, de marketing eleitoral, não é a internet e a comunicação digital com suas múltiplas possibilidades. Nossa referência para pensar uma campanha moderna deve ser mais o Big Brother, e não Barak Obama.

Então Lula seria o Obama daqui?

Exato. E o Lula tem uma vantagem. Ele é um comunicador nato. Hoje, Lula venceria qualquer um e possivelmente vai eleger Dilma Roussef em 2010. Mas não fazendo a campanha que Obama fez. Se tentasse reproduzir a fórmula de Obama, provavelmente viria a perder.

É verdade que em alguns aspectos Lula e Obama parecem vinho da mesma pipa. Ambos surgiram de fora da política tradicional, vieram dos setores marginais ao sistema, se construíram contra a vontade dos poderosos e só foram admitidos porque os bacanas de sempre (FHC aqui, Bush lá) quebraram a cara totalmente.

A humanidade vem em ondas, uma depois da outra, buscando soluções para sua sobrevivência no planeta. A impressão é que Lula e agora Obama inauguram um novo tempo na história. Há uma mudança aí. Um novo modelo. Uma nova forma de conduzir as coisas.

Do ponto do vista do marketing eleitoral e de governo, isso é evidente. Lula e Obama são bastante diferentes de tudo o que veio antes. E são surpreendentes para os que sempre dominaram o poder. O posicionamento que ambos adotam (Lula com certeza - Obama ainda temos de ver melhor) de defesa do cidadão comum combinado com a radicalidade e ao mesmo tempo flexibilidade na construção de um projeto de nação parece ser a chave do sucesso.

Mas afinal, qual seria o papel da internet numa campanha no Brasil?

Durante as eleições americanas, me inscrevi no site oficial da campanha Obama. Não acompanhei o Facebook, o Twiter (ambos são uma espécie de Orkut) ou outras formas que a campanha de Obama adquiriu.

Depois que me inscrevi no site, duas ou três vezes por semana, recebi mensagens do comitê de campanha que quase sempre eram compostas de três elementos. Eram mensagens muito curtas que: a) informavam do andamento da campanha; b) solicitavam que eu realizasse pequenas ações de apoio; c) pediam contribuição financeira. Todas as mensagens eram muito curtas, nunca passaram de 15 ou 20 linhas. Todas eram pessoais, dirigidas a cada um individualmente e assinadas por algum membro do comitê. Os pedidos de apoio financeiro eram modestos, eram de 2 dólares, 5 dólares. Quando o pedido era maior, envolvia retorno de um brinde, como uma caneca, uma camiseta, um adesivo.


A arrecadação da campanha veio daí?


Não conheço com profundidade como se dá o financiamento de campanha nos Estados Unidos, mas a informação divulgada é que 70% das receitas teriam origem neste tipo de contribuição.

Uma jornalista que trabalha conosco na Veraz comprou uma camiseta através do site. Fiquei duvidando que enviassem. Mas não é que ela recebeu, aqui em Porto Alegre, em casa, a camiseta?

São essas pequenas coisas que garantem credibilidade a um político. Mostram organização, respeito pelo eleitor. Essa é a principal mudança no marketing político e eleitoral a ser feita no Brasil. Garantir respeito ao eleitor. Ter mecanismos para ouvi-lo –e para isso a internet é um ótimo canal-, trabalhar numa plataforma multimídia de comunicação com acento nos mecanismos interativos.


As campanhas no Brasil nunca foram interativas. Não é um sonho querer fazer isso?


Olha, a campanha de Barack Obama ainda vai render muitos estudos e lições de marketing. Do que pude acompanhar, percebi que Obama soube segmentar seu marketing conforme os públicos e utilizar as novas tecnologias de comunicação, principalmente a internet e o celular, com grande superioridade, primeiro na luta interna com Hilary Clinton e a seguir no enfrentamento aos republicanos.

Seth Godin, um americano que fundou uma das primeiras companhias de marketing online, a Yoyodyne, e a vendeu para o Yahoo em 98, listou algumas destas lições em seu blog. Godin basicamente diz o seguinte:
1) As histórias são o que importam. As pessoas gostam de produtos/marcas/candidatos que contam histórias.
2) A TV acabou. Os meios de comunicação de massa estão em declínio e não tem mais a mesma influência sobre as pessoas. Hoje (nos Estados Unidos) as pessoas assistem a TV apenas quando querem e é cada vez mais difícil conseguir a atenção delas.
3) Obter a permissão das pessoas para enviar-lhes uma mensagem é essencial no marketing. Invadir o email, o celular, a caixa de correio com mensagens indesejadas pode ser fatal.
4) O marketing é tribal. A receita atual é fazer uma comunicação para nichos de pessoas envolvidas com os mesmos interesses. Para Godin, engajar-se com as tribos existentes é menos oneroso que construir uma nova tribo do nada.
5) Mobilize os militantes e simpatizantes. São eles que farão o trabalho de convencer os não comprometidos. É mais fácil convencer os aliados do que argumentar com os inimigos.
6) Estratégias de ataque não funcionam. Conforme Godin, as pessoas repudiam as estratégias de ofensa aos concorrentes.
7) A gente leva o que compra. Ou temos o que merecemos. Quando compramos um produto ou um candidato, também escolhemos o seu marketing. E vice-versa.
Creio que estas lições são válidas globalmente. Claro que elas precisam ser adequadas a cada realidade. A permissão, por exemplo. Quando você faz visita de porta em porta, você não pode invadir a casa das pessoas. Você tem de ser convidado. Então, o meio não é a internet, mas o problema é o mesmo. Se você quer que a pessoa vote no seu candidato, o marketing tem de ser feito com respeito.


E a questão do celular? Obama também usou muito o celular...


Eu tenho utilizado o celular em campanhas. Faço isso desde 2000. Diferente do computador e da internet, cujo acesso é restrito, o celular no Brasil é quase tão popular quanto a televisão. Mas é preciso ter muito cuidado. Aqui, o celular é ferramenta de trabalho ou para uso privado, particular. Até hoje as tentativas de usar o celular como veículo para campanhas publicitárias não deram certo. O cidadão considera aquela mensagem uma invasão de privacidade. O mesmo vale para o telemarketing. Já fiz telemarketing, mas com muitas dúvidas sobre a eficácia.

Outra coisa que é preciso entender é que o nosso celular não é um terminal multimídia, um blackberry. 90% dos celulares no Brasil são pré-pagos e com poucos recursos. Você pode mandar uma mensagem de seis palavras. Pode também receber mensagens. Esta interatividade é o que falta nas nossas campanhas.

Uma última pergunta. A internet deixa a campanha mais barata?

Obama parece ter feito uma campanha a um custo menor que seus concorrentes. Arrecadou menos que Hillary e venceu. Arrecadou menos que McCain e venceu.

O que torna cara uma campanha é a derrota. Não é o meio de comunicação que deixa uma campanha mais barata. É a política, é a força das idéias. Se você é portador de idéias em que as pessoas acreditam, você pode mudar o mundo. E isso não tem preço.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom. Bom mesmo. Como a gente pode fazer pra contratar uma consultoria sua?